Friday, August 31, 2007

Tuesday, August 28, 2007

Os sortudos

presos na autoestrada, à chuva, 6.15 da tarde,
estes são os sortudos,estes são os
devidamente empregados,a maioria com os seus rádios ligados tão alto
quanto possível, porque tentam não pensar ou recordar.

esta é a nossa civilização, os homens
outrora viveram nas árvores e cavernas , agora vivem
nos seus automóveis e em vias rápidas enquanto

as notícias locais são ouvidas uma vez e outra enquanto
mudamos as mudanças de primeira para segunda e de volta à primeira.

Há um pobre diabo apeado na faixa rápida mais à frente,a capota
levantada, de pé contra a vedação da autoestrada
um jornal contra a sua cabeça na chuva.

os outros carros forçam a sua passagem à volta do seu carro encostam
na outra faixa à frente de outros carros
determinados em cortar-lhes a passagem.

na faixa à minha direita um carro está a ser seguido
por um carro da polícia as suas luzes vermelhas e azuis a piscar, ele seguramente
não podia estar a exceder a velocidade permitida
à medida que

subitamente a chuva cai num imenso aguaceiro e todos os
carros param e

mesmo com as janelas fechadas posso sentir o cheiro de uns travões
a queimar

só espero que não sejam os meus enquanto

a parede de água diminui e voltamos à primeira
mudança; estamos todos ainda
muito longe de casa enquanto eu memorizo
a silhueta do carro à minha frente e o formato

da cabeça do condutor ou
o que
consigo ver dela acima do encosto da cabeça enquanto
o seu autocolante me pergunta
JÁ ABRAÇOU O SEU FILHO HOJE?

subitamente tenho vontade de gritar
à medida que outra parede de água cai e o
homem na rádio anuncia que haverá 7o por cento
de probabilidade de aguaceiros amanhã à noite

Charles Bukowski



The Cure, In between days

Saturday, August 25, 2007

O quotidiano "não"

Estamos todos bem servidos
de solidão.
De manhã a recolhemos
do saco, em lugar de pão.

Pão é claro que temos
(não sou exageradão)
mas esta imagem do saco
contendo um pequeno «não»

não figura nesta prosa
assim do pé para a mão,
pois o saco utilizado,
que pode ser o do pão,

recebe modestamente
a corriqueira fracção
desse alimento que é
tão distribuído, tão

a domicílio como
o leite ou o pão.
Mas esse leitor aí
(bem real!) já diz que não,

que nunca viu no tal saco
o tal «não».
Ao que o poeta responde,
sem maior desilusão:

- Para dizer a verdade,
eu também não...
Mas estava confiante
na sua imaginação

(ou na minha...) e que sentia
como eu a solidão
e quanto ela é objecto
da carinhosa atenção

de quem hoje nos fornece
o quotidiano «não»,
por todos os meios, desde
a fingida distracção,

até ao entre-parêntesis
de qualquer reclusão...



Alexandre O´Neill



The Smiths, Panic

Friday, August 24, 2007

O Cidadão Desconhecido

(A JS/07/M/378 o Estado ergueu este Monumento de Mármore)

Segundo apurou o Instituto de Estatística
Contra ele nunca existiu qualquer queixa oficial,
E todos os relatórios sobre a sua conduta confirmam:
No moderno sentido de uma palavra velha, ele era um santo,
Pois em tudo o que fez serviu a Grande Comunidade.
Com excepção da Guerra e até ao dia da reforma,
Trabalhou numa fábrica e nunca foi despedido;
Sempre satisfez os seus patrões, Máquinas Fraude, Lt.dª.
Mas não era fura-greves nem tinha opiniões estranhas,
Pois o Sindicato informa que sempre pagou as quotas
(E o seu Sindicato tem a nossa confiança),
E o nosso pessoal de Psicologia Social descobriu
Que ele era popular entre os colegas e gostava de um copo.
A Imprensa não duvida de que comprava um jornal por dia
E que as reacções à publicidade eram cem por cento normais.
Apólices tiradas em seu nome provam que tinha todos os seguros,
E o Boletim de Saúde mostra que esteve uma vez no hospital e saiu curado.
Tanto o Gabinete de Estudo dos Produtores como o da Qualidade de Vida declaram
Que estava plenamente sensibilizado para as vantagens da Compra a Prestações
E tinha tudo o que é preciso ao Homem Moderno:
Um gira-discos, um rádio, um carro e um frigorífico.
Os nossos inquiridores da Opinião Pública alegram-se
Por ter as opiniões certas para a época do ano;
Quando havia paz, ele era pela paz, quando havia guerra, ele ia,
Era casado e aumentou com cinco filhos a população,
O que, diz o nosso Eugenista, era o número certo para um pai da sua geração,
E os nossos professores informam que nunca interferiu com a sua educação.
Era livre? Era feliz? A pergunta é absurda:
Se algo estivesse errado, com certeza teríamos sabido.

W. H. Auden



Pixies, Where is my mind

Friday, August 10, 2007

O Fruto
Subia, algo subia, ali, do chão,
quieto, no caule calmo, algo subia,
até que se fez flama em floração
clara e calou sua harmonia.

Floresceu, sem cessar, todo um verão
na árvore obstinada, noite e dia,
e se soube futura doação
diante do espaço que o acolhia.

E quando, enfim, se arredondou, oval,
na plenitude de sua alegria,
dentro da mesma casca que o encobria
volveu ao centro original.

Raines Maria Rilke



Janis Joplin, Summertime