Tuesday, November 11, 2008




Pusemos tanto azul nessa distância

ancorada em incerta claridade

e ficámos nas paredes do vento

a escorrer para tudo o que ele invade.

Pusemos tantas flores nas horas breves

que secam folhas nas árvores dos dedos.

E ficámos cingidos nas estátuas

a morder-nos na carne dum segredo.

Natália Correia



Shakira, No

Sunday, November 9, 2008



Trabalhos do olhar

Escrevo-te a
sentir tudo isto...e num instante de maior lucidez
poderia ser o rio as cabras escondendo o delicado
tilintar dos guizos nos sais de prata da
fotografia poderia erguer-me como o castanheiro dos
contos sussurrados junto ao fogo e deambular trémulo com as
aves ou acompanhar a sulfurica borboleta
revelando-se na saliva dos lábios poderia imitar aquele
pastor ou confundir-me com o sonho de cidade que a
pouco e pouco morde a sua imobilidade........
habito neste país de água por engano são-me
necessárias imagens , radiografias de ossos rostos
desfocados mãos sobre corpos impressos no papel e nos
espelhos repara.....nada mais possuo a não ser este recado que hoje
segue manchado de finos bagos de romã repara....
como o coração de papel amareleceu no
esquecimento de te amar.....

Al Berto





Adriana Calcanhoto, Devolva-me

Friday, November 7, 2008




De ombro na ombreira vejo
no outro lado outro
ombro na ombreira

Entre ombros nas ombreiras
nenhum assombro:
ombros ombro a ombro
param ombro a ombreira

Quando tudo escombro
ainda todos seremos
ombro na ombreira.

Alexandre O'Neill



Tom Waits, Misery is the river of the world

Wednesday, November 5, 2008




É Tarde, Muito Tarde da Noite

É tarde, muito tarde da noite,
trabalhei hoje muito, tive de sair, falei com vária gente,
voltei, ouço musica, estou terrivelmente cansado.
Exactamente terrivelmente com a sua banalidade
é o que pode dar a medida do meu cansaço.
Como estou cansado. De Ter trabalhado muito,
ter feito um grande esforço para depois
interessar-me por outras pessoas
quando estou cansado demais para me interessarem as pessoas.

É tarde, devia Ter-me deitado mais cedo,
há muito que devera estar a dormir.
Mas estou acordado com o meu cansaço
e a ouvir música. Desfeito de cansaço
incapaz de pensar, incapaz de olhar,
totalmente incapaz até de repousar á força de
cansaço. Um cansaço terrível
da vida, das pessoas, de mim, de tudo.
E fumo cigarro após cigarro no desespero
de estar tão cansado. E ouço música
(por sinal a sonata para violino e piano
de César Franck, e depois os Wesendonck Lieder)
num puro cansaço de dissolver-me
como Brunhilda ou como Isolda
no que não aceitarei nunca
l amor che muove il sole e l altre stelle.
Nada há de comum entre esse amor de que estou cansado,
e o outro que não ama, apenas queima e passa , e de cuja
dissolução no espaço e no tempo em que vivo
estou mais cansado ainda. Dissolvam-se essas damas
que eram princesas ou valquírias, se preferem, no eterno.
Eu estou cansado de não me dissolver
continuamente em cada instante da vida,
ou das pessoas, ou de mim, ou de tudo.
Qu ai-je á faire de l eternel? I live here.
Non abbiamo confusion. E aqui é que
morrerei danado de cansaço, como hoje estou
tão terrivelmente cansado.

Jorge de Sena





The Beatles, Across the universe

Tuesday, November 4, 2008



Pelo sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo sonho é que vamos.
Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia a dia.
Chegamos? não chegamos?
Partimos. Vamos. Somos.
Sebastião da Gama